segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Ai povo... que os pariu

No último sábado de Janeiro fui ao Teatro Sá da Bandeira ver uma revista cujo titulo era bastante sugestivo “ Ai povo... que os pariu”. Titulo sedutor, expectativa de companhia de teatro nova e a mais valia de uma revista à portuguesa criada “à moda do Porto”.
E gostei. Ri até não poder mais (e tanto precisava) mas não fui capaz de bater as madames à minha frente que até partiram a cadeira... se bem que já bem podres (as cadeiras claro ... e que pena aquele Teatro estar assim desleixado), e também não fui capaz de bater na velha que estava na fila de trás cheia de pudor (obviamente hipócrita pois bastava olhar para ela).
Mas isso nem seria motivo suficiente para me levar a fazer um blog... embora saiba que essa companhia vai andar por aí e merecem os divulgue (paguei bilhete, logo a vontade de divulgação é mesmo verdadeira). Só que, e por pura coincidência, “esbarrei” hoje com um daqueles emails da praxe que se reenviam a tudo quanto está nas mailings lists e na altura quis guardar com o titulo “foda-se”. Ora, sendo generalista mas respeitando as respectivas excepções, estas interjeições que nós nortenhos dizemos em vez das que estão na gramática, e os sulistas não dizem nem confessam gostar de ouvir... mas eu sei que gostam, voltaram-me a colocar um daqueles sorrisos só com meia boca e uma boa disposição que, por via do estado deste país inteiro à beira de um ataque de nervos me coloca também sisudo, já me apetecia sentir. E por isso partilho convosco.
Sobre a revista, procurem na Net, bem como a imensa biografia do autor (Millôr Fernandes). O texto deixo aqui para quem for preguiçoso. Espero é que a “velha” do teatro não seja moderadora disto e me bloqueie o perfil.

Foda-se - por Millôr Fernandes
(adaptado para português europeu... vulgo nortenho)

O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que diz.
Existe algo mais libertador do que o conceito do "foda-se!"?
O "foda-se!" aumenta a minha auto-estima, torna-me uma pessoa melhor.
Reorganiza as coisas. Liberta-me.

"Não quer sair comigo?! - então, foda-se!"

"Vai querer mesmo decidir essa merda sozinho(a)?! - então, foda-se!"

O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição.
Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para dotar o nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade os nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo a fazer a sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.
"Comó caralho", por exemplo. Que expressão traduz melhor a
ideia de muita quantidade que "comó caralho"?
"Comó caralho" tende para o infinito, é quase uma expressão matemática.

A Via Láctea tem estrelas comó caralho!

O Sol está quente comó caralho!

O universo é antigo comó caralho!

Eu gosto do meu clube comó caralho!

O gajo é parvo comó caralho!

Entendes?
No género do "comó caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "nem que te fodas!".
Nem o "Não, não e não!", e tão pouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, nem pensar!" o substituem.
O "nem que te fodas!" é irretorquível e liquida o assunto.
Liberta-te, com a consciência tranquila, para outras actividades de maior interesse na tua vida.
Aquele filho de um pintelho de 17 anos atormenta-te pedindo o carro para ir surfar na praia? Não percas tempo nem paciência.
Solta logo um definitivo:

"Huguinho, presta atenção, filho querido, nem que te fodas!".

O impertinente aprende logo a lição e vai para o Centro Comercial encontrar-se com os amigos, sem qualquer problema, e tu fechas os olhos e voltas a curtir o CD (...).
Há outros palavrões igualmente clássicos.
Pense na sonoridade de um "Puta que pariu!", ou o seu
correlativo "Pu-ta-que-o-pa-riu!", falado assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba.
Diante de uma notícia irritante, qualquer "puta-que-o-pariu!", dito assim, põe-te outra vez nos eixos.
Os teus neurónios têm o devido tempo e clima para se reorganizarem e encontrarem a atitude que te permitirá dar um merecido troco ou livrares-te de maiores dores de cabeça.
E o que dizer do nosso famoso "vai levar no cu!"? E a sua maravilhosa e reforçadora derivação"vai levar no olho do cu!"?
Já imaginaste o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta:

"Chega! Vai levar no olho do cu!"?

Pronto, tu retomaste as rédeas da tua vida e a tua auto-estima.
Desabotoas a camisa e sais à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.
E seria tremendamente injusto não registar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu-se!". E a sua derivação, mais avassaladora ainda: "Já se fodeu!".
Conheces definição mais exacta, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação?
Expressão, inclusivé, que uma vez proferida insere o seu autor num providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como quando estás a sem documentos do carro, sem a carta de condução e ouves a sirene da polícia atrás de ti a mandar-te parar. O que dizes?

"Já me fodi!"

Ou quando te apercebes que és de um país em que nada funciona, o desemprego aumenta avassaladoramente, os impostos são altos, a saúde, a educação e a justiça são de baixa qualidade, os politicos podres, os empresários gananciosos e que procuram o lucro atropelando os valores mais elementares, as reformas têm que baixar, o tempo para a
desejada reforma tem que aumentar … tu pensas:

“Já me fodi!”

Então:

Liberdade,
Igualdade,
Fraternidade
e
foda-se!!!

Mas não desespere. Este país ainda vai ser...

“um País do caralho!”

Olhe para o que lhe digo!