segunda-feira, 14 de julho de 2008

Virtualidade real ou realidade virtual?

Excluindo à partida a comunicação com quem realmente já conhecemos e quando usada no sentido de “na impossibilidade de melhor” ou como o mais económico e eficaz meio, a internet está a revolucionar a comunicação humana particularmente com desconhecidos.
Com ela abriram-se novas formas de relacionamento e partilha, ao mesmo tempo que se criaram verdadeiros pontos de encontro e que tem contribuído para a formação de novas relações e comunidades virtuais.
No entanto este conceito tem evoluído e de alguma maneira alterando a estrutura social dita real, tradicional, de cultura homogénea, onde pessoas tem relacionamentos interpessoais e valorizam as relações sociais, para um novo conceito caracterizado como uma sociedade mais urbana, tecnológica, com relações mais impessoais, distantes, individualizadas, e onde se usam mais “descaradamente” as relações sociais como meios para um fim. Agora as pessoas cruzam-se muito mais por interesses, do que por mera condicionante casual ou espacial e começa a ser motivo de preocupação que o espaço virtual transforme e até aniquile, os valores e formatos que temos do real e do social.
Mas parece que ninguém dá conta disso e se apercebe da “fronteira” entre estas duas realidades. Esta “fronteira” é como se fosse invisível mas existe e separa-nos cada vez mais sem nos apercebermos. Nós, os utilizadores mais atentos já a sentimos de alguma maneira mas de certa forma recusamo-nos a percebê-la. Comportamo-nos como uma mosca que bate contra o vidro sem compreender o que a separa do outro lado. Ela não consegue entender o que separa um espaço do outro quando o vê inconfundivelmente como um só.
Esta tecnologia é um excelente instrumento de comunicação e interacção que faz parte da cultura contemporânea mas também uma forma algo abstracta, muito efervescente e de algum modo caótica forma de comunicar, que, deve ser sempre considerada como um espaço intermediário entre as duas realidades e nunca hermética em cada uma delas.
É comum aos utilizadores regulares defenderem que há sempre alguém com quem sentem afinidade e com quem acham poder compartilhar ideias e anseios, trocar experiências, discutir e ter discursos intelectuais, jogar, desenvolver amizades, partilhar suporte emocional, flirtar, apaixonar-se e até amar. Já não tão comum é a consciência de que deixam para trás o seu corpo e que não estão a usar em pleno alguns sentidos fundamentais numa relação interpessoal. E, enquanto uns tendem a querer conhecer-se fisicamente e assim completar o conhecimento, outros não o aceitam nem sentem essa necessidade. Mas como pode um laço social desenvolver-se apenas num meio frio e impessoal?
Para uns há a preocupação e necessidade da validação/confirmação do que e como sentem o outro, enquanto que para outros, se esses laços realmente se sentem é porque existem e serão tão fortes como nas relações reais. Comum a ambos lados é aceitar que a comunicação promove proximidade partilha e alguma intimidade, e são cruciais para a continuidade dessas relações.
Afinal a internet é o “Deus ou o Demónio” das relações interpessoais?
A resposta estará em cada um de nós tal é a diversidade de pessoas, de distintas razões e imensidão de barreiras relacionais, mas há perguntas que são comuns a todos. Deixo algumas sobre as quais reflito.

Porque estou aqui?
A reflexão sobre o motivo que nos faz estar aqui é fundamental em particular para a consciência do como cá cheguei, do quando estou ou poderei estar e de como é o meio.
Tudo tem influência e tudo influêncía e começa logo na escolha do “nick” à qual muitos prestam a atenção principal pois ele o representará e, talvez, até o qualificará com uma personalidade (percebida pelos outros) que pode ser real ou inventada normalmente por antítese à sua própria, que é “uma faca de dois gumes” e pode tornar-se num jogo perigoso.

Apenas pelo virtual ou pelo real também?
Esta questão poderá só surgir no momento em que o próprio sente essa necessidade ou alguém a promove, mas é fundamental estar preparado para a resposta no momento pois as dúvidas e incertezas poderão fazer deixar passar o interesse/oportunidade e o consequente mau estar e arrependimento pela oportunidade perdida.

Como se escolhe com quem encetar o diálogo?
Se estiver “resolvido” no porque está aqui e como quer estar, será mais fácil aceitar, ou não, quem o contacta directa ou subtilmente, ou quem escolher. Cada um terá uma imensidão de gostos e intenções, logo dissecar as intenções seria uma tarefa impossível. Mas há sinais que se podem perceber como a quantidade de fotos e quais as fotos que selecciona, o painel de amigos, o que diz sobre si e nos blogs, e o que dizem sobre ela no livro de visitas, quando se escolhe alguém com proximidade geográfica, etc.

Ser ou não anónimo?
È tarefa impossível mostrar-se sem querer ser visto mas há coisas que não nos comprometem e falam de nós. Podemos optar por deixar tudo em aberto não dizendo nada, aguçar da curiosidade com mostrar-se pouco, ou dizer muito e esperar cative seleccionadamente. Importante sim é salvaguardar elementos pessoais que permitam nos identifiquem e/ou comprometam, coisa que pode ficar para mais tarde e para ou a quem entender pode fazê-lo. Fundamental saber ler nas entrelinhas e ter um sexto sentido apurado. Importante perceber que negar-se a quem merece confiança é o mesmo que desprezar quem confia em nós.

Mentir ou omitir?
Todos mentimos é certo e quem o negar estará nesse momento a mentir. Mas há mentiras que se toleram e fácilmente se explicam e outras que não se conseguem explicar ou tolerar. Evite estas, e mal por mal omita e faça saber que não pretende dizer mais, pois se a insistência incomoda, desculpas sem nexo incomodam muito mais.
È preciso é estar sempre preparado para a fragilidade tanto da tecnologia como da sensibilidade do meio e da pessoa em causa, uma vez que é facil acontecerem imprevistos. O desaparecimento de um utilizador sem explicação pode significar desde um problema técnico a que é alheio ao de voltar em seguida com um novo nick tentando uma abordagem diferente.
Não raras vezes leio blogs de desespero, por causa de desaparecimentos sem deixar rasto e porque tudo se desenvolveu no virtual.

É importante mostrar educação e valores?
Todas as comunidades virtuais tem as suas regras de conduta que deveremos conhecer. Esses roteiros de bom comportamento tem o intuito de maximizar o diálogo e proteger os utilizadores de ofensas, uso massivo que provoca atrasos na comunicação, etc. Mas há regras básicas fundamentais que cumpriremos seguramente se considerarmos que por trás de cada nick estão pessoas com sentimentos e emoções. Há pessoas que tem os seus desvios de conduta e atitudes/comportamentos marginais. No mundo virtual não é diferente, até mais acontecem porque os rebeldes no mundo real tem mais facilidade desse comportamento no ambiente virtual.

Há ou não Sexo Virtual?
Há. E diz-se que cada vez mais frequente. Resumidamente, trata-se de uma forma onde uma parte tenta excitar a outra através de palavras e/ou imagens. Isso ocorre em privado e normalmente de acordo entre as duas partes. É a descoberta de uma nova forma de sexo seguro, que não sendo regra absoluta, onde os adolescentes ensaiam contactos com o sexo oposto e onde os adultos realizam fantasias sem culpa ou que no real estão condicionadas. Normalmente traduz-se numa masturbação simples, com estímulos de palavras que tentam reproduzir uma imagem concreta ou mesmo uma imagem visual, ou o mais compulsivo que acontece sem a autorização do outro onde a pessoa se sente livre para formar a imagem que quiser, idealizando e podendo realizar um desejo sexual para o qual nunca teve coragem, oportunidade ou disposição. No sexo virtual o que importa é a excitação. A fantasia é levada adiante mesmo que por trás do nick “Gatinha” esteja um homem a fingir ser uma mulher... ou vice-versa. Nesses casos, a liberdade da Internet transforma-se em libertinagem virtual, com consequências reais e até implicações éticas.
O tema é vasto e tem havido mais especulação sobre sexo virtual do que sobre qualquer outro assunto da realidade virtual. O conteúdo sexual é tão velho quanto a própria informação. Seja em que meio for, nunca demora muito a descobrir como aplicar qualquer tecnologia nova ao mais velho dos desejos.

Considerações finais
Não se pode supor que a comunicação virtual e as relações virtuais vieram trazer soluções para os problemas relacionais do mundo contemporâneo. A comunicação virtual tem qualidades e defeitos que sustentada pela aparente liberdade pode parecer mais positiva que no real mas é importante saber que poderá ser também bem mais nefasta. É certo que pode proporcionar relações casuais francas e abertas, amizades verdadeiras e duradouras e até amor verdadeiro, mas por outro lado, também tem efeitos potenciadores de ódio, de culpa e de vergonha podendo causar estragos psocologicos irreparáveis e marcas indeléveis na personalidade.
Uma coisa é certa, aqui tudo se passa a uma velocidade estonteante e o meio deve ser entendido em termos de falta dos controles sociais convencionais e não em termos ficcionais e até utópicos. Tenho lido em alguns blogs sinais de paixões arrebatadoras que num curto espaço de tempo se transformam em desespero e ódio.
São excepções de pessoas mais desprevenidas que não podem fazer a regra. Deve-se entender como regra que o virtual não deverá ter importantes implicações na vida dos seus participantes. Mas há cuidados a ter. As pessoas carentes podem encontrar suporte emocional e respostas parasuas angústias, as pessoas tímidas podem entregar-se em frutíferas conversações e desenvolver fortes relações. Para muitos, a realidade virtual influência significativamente a maneira como vêem os outros e a si mesmos, e para elas a “virtualidade é realidade”. O ideal seria não se confinarem ao mundo virtual nem achar que as suas relações virtuais são mais importantes que as reais.
Por ser um fenómeno social ainda pouco analisado, a realidade virtual apresenta mais desafios do que respostas para aqueles que as usam. Talvez, porque se insista em vê-las com pressupostos convencionais e discretos onde se misturam ingredientes que pareceriam insolúveis, como a realidade e a fantasia.
Finalmente, deve-se entender este formato como sendo um acréscimo às possibilidades interactivas, e não como uma ameaça às relações convencionais, pois de outra forma corre-se o risco de se cair num vácuo entre o real e o virtual, onde seguramente não se poderá estar de bem consigo e muito menos com ou outros.

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